A boa-fé objetiva no campo contratual

Por Carlos E. C. de Paula


   A boa-fé objetiva é um importante princípio fundamental dos contratos, sem o qual o pressuposto da probidade, ou seja, a conduta que abraça a retidão, honestidade e lealdade estariam comprometidos e, por consequência, o próprio negócio jurídico. Essa é a razão pela qual o art. 422 do Código Civil preceitua: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (grifo meu).

   Fica evidente que a boa-fé objetiva impõe um certo padrão de conduta, transformando esse fundamental princípio geral do direito em uma cláusula geral dos contratos e, por conseguinte, fonte de direito e de obrigações.

   A relevância desse princípio é tamanha que, para um entendimento eficaz de seu alcance, faz-se necessário biparti-la em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. Enquanto a primeira exprime suas concepções psicológicas, a segunda retrata sua realidade prática, ética. Dessa forma, a boa-fé objetiva precisa, ainda, ser entendia sob quatro aspectos, a saber: Venire contra factum proprium, Suppressio, Surrectio e Tu quoque.

   Venire contra factum proprium, expressão cuja tradução se aproxima de “vir contra seus próprios atos”, em outras palavras, refere-se à proteção de uma parte contra aquela que age em contradição ao seu próprio comportamento assumido anteriormente, algo completamente diferente daquilo que se poderia razoavelmente esperar. Essa situação pode ser exemplificada com o caso do credor que concordou, durante a execução de prestações periódicas, com o pagamento em tempo e lugar diferente do acordado em contrato. Este, não poderá posteriormente exigir do credor a literalidade do contrato.

   Já o suppressio e surrectio representam, respectivamente, ao direito que exercido durante determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé e, em sentido oposto, o surgimento de um direito em razão da continuada prática de certos atos. Estes, podem ser reconhecidos, tomando novamente o exemplo supracitado: Existia um pagamento periódico, ajustado em contrato, com tempo e lugar específicos. Porém, o credor aceitou, tacitamente, a mudança de data dos pagamentos. Havendo o pagamento reiterado por períodos consideráveis ocorre o suppressio do direito firmado em contrato, isto é, a supressão de uma obrigação contratual e, por outro lado, o nascimento de um direito em razão da continuada prática. É notório que, enquanto ocorre o suppressio para uma parte, sucede o surrectio para a outra.

   Finalmente, o chamado tu quoque diz respeito a proibição de que uma pessoa faça contra outra o que não faria contra si mesma, fundado na aplicação do princípio inspirador da exceptio non adimpleti contractus.

   A luz do Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé é tratada como indispensável princípio a ser praticado, o qual é fator determinante para a harmonização dos interesses das partes em uma relação de consumo (art. 4º, III) e, também, como parâmetro regulador da definição de abusividade das cláusulas (art. 51, IV).

   Em suma, podemos inferir que o princípio da boa-fé objetiva impõe às partes um certo padrão de conduta, o de agir com retidão, honestidade e lealdade. Harmoniza os interesses e regula possíveis abusividades.